13/01/2017

[Creepypastas] O Diário de Beatriz

Hey, gente. Tudo bem com vocês?

Como prometido, aqui está um conto de sexta-feira 13. É, passei um pouco afastado do mercado literário em 2016, mas 2017 é o meu ano. E tem maneira melhor do que começar o ano com um belo conto? Esse ano é meu literário, podem anotar isso. Várias surpresas estão sendo preparadas. Aguardem com paciência.
Espero que gostem do conto. Tenham uma boa noite, e uma ótima sexta-feira 13.

Todas as pessoas do mundo – ou quase todas elas – têm o desejo de visitar várias cidades, enquanto algumas se contentam em contar nos dedos quais lugares desejam conhecer, mesmo tendo em mente que tal coisa pode nunca acontecer. Entretanto, uma pequena parcela dessas pessoas consegue realizar seus sonhos. Algumas escolhem um país específico, enquanto outras decidem fazer algo conhecido como “mochilão”, que nada mais é do que, com pouca bagagem, o mochileiro viaja por várias regiões de um país ou por vários países. Steve Smith encaixava-se na segunda descrição.
Steve era um jovem norte-americano de vinte e quatro anos, que se formara em Direito no ano anterior. Tal coisa deveria ser comemorada, mas, infelizmente, poucos dias antes da festa que sua família havia organizado, sua mãe e sua irmã morreram num trágico acidente de ônibus, enquanto voltavam de Washington D.C. Seu pai havia morrido há alguns anos, assassinado, por causa de uma dívida. Desde então, o rapaz resolveu tirar férias. Colocou numa mochila algumas roupas e objetos pessoais e foi para a Europa. Irlanda, Inglaterra, Espanha, Holanda e França.
Viagens mudam pessoas, e não foi diferente com Steve. O rapaz tornou-se ainda mais maduro, além de ter visto lugares incríveis, feito amizades e aprendido lições as quais nunca se esqueceria. Porém, foi na Itália que ele passou pela situação a qual mudaria sua vida.



Steve estava hospedado no 302 do Pace um pequeno hotel que ficava um pouco afastado do centro de Roma, mas valeu a pena, pois a diária era incrivelmente mais barata que a dos outros hotéis. Tudo ia bem até a manhã do segundo dia, quando o chuveiro ficou sem água quente.
― Olá, bom dia ― disse ele, sabendo que o simpático recepcionista entendia seu idioma.
― Olá, senhor Steve ― respondeu o recepcionista rechonchudo, virando-se. ― Está aproveitando a estadia?
― Estou sim, mas há um pequeno problema.
― Não gostamos de problemas aqui no Pace ― ele parecia confiante e determinado. ― Como posso ajudá-lo?
― Bom, o chuveiro está sem água quente ― respondeu o jovem advogado. ― Eu poderia trocar de quarto?
― Certamente, senhor ― ele virou-se, pega uma nova chave no armário de chaves e entrega-a para Steve. ― Aqui está sua chave, senhor.
― Agradeço imensamente por isso.
― Se importa se eu acompanhá-lo?
― De forma alguma ― disse Steve, começando a caminhar em direção à escada de madeira, que parecia antiga, mas, ao mesmo tempo, algo nela mostrava que ela estava sedo bem cuidada com o passar dos anos.
Nenhum dos dois proferiu uma única palavra até a porta do 302 ser aberta novamente. Mario aguardou do lado de fora, enquanto Steve adentrou o quarto e arrumou suas coisas, saindo dali cerca de três minutos depois. Devolveu a chave para Mario, agradeceu e adentrou o 303, que ficava na frente de seu antigo quarto.
Tomou seu desejado banho quente, deitou-se na cama e decidiu ler um pouco. Abriu sua mala e pegou O Retorno do Rei. Adquiriu o gosto pela leitura durante o segundo ano de faculdade, e não parara desde então.
Roma estava fria naquela manhã. Steve fechou o livro e decidiu que desceria até a cafeteria do hotel para tomar uma xícara de chá. Agasalhou-se e abriu a gaveta do criado-mudo, para guardar seu livro. Espantou-se ao ver que a gaveta não estava vazia. Um caderno azul, de capa dura, estava ali.
Atiçado pela curiosidade, ele pegou o caderno e o abriu. Não havia nada escrito na contracapa. Porém, a partir da primeira página, as páginas seguintes estavam cobertas de textos escritos em caneta azul. A caligrafia parecia feminina, e Steve teve certeza disso quando viu o nome Beatriz escrito na primeira linha. A primeira anotação não possuía data, mas o caderno estava conservado, apenas com as pontas gastas. Tudo estava escrito em italiano. Por sorte, seu italiano estava afiado.

Olá. Meu nome é Beatriz. Tenho dezenove anos e costumava morar em Palermo, Itália. Onde estou agora? Acho que nem Deus sabe. Eu não faço ideia de como vim parar aqui, mas faz alguns dias que eu venho tendo sonhos ruins. Espero que sejam realmente apenas sonhos ruins, porque eu estou com medo. Estou com muito medo.

Steve fechou o caderno sobre seu colo. No instante seguinte, ficou de pé. Ele devolveria o diário na recepção. Talvez aquela tal Beatriz estivesse hospedada ali, e acabou esquecendo seu diário. Mas, levando em conta que aquele diário parecia importante, seria prudente andar com ele para todos os lados. Então por que ele estava ali, e sua dona não estava?
Abriu a porta e desceu as escadas, indo em direção à cafeteria, trazendo consigo o diário de Beatriz. Aproximava-se das dez da manhã, e o local estava consideravelmente vazio. Ele foi até o balcão e pediu um macchiato. Sentou-se numa das mesas vazias e abriu o diário novamente. 

Está frio aqui fora, mas prefiro estar aqui do que naquele lugar asqueroso com aqueles monstros. Aquele lugar era o Inferno, e eu não desejaria nem que meu inimigo fosse levado para lá. Eu passei a maior parte do tempo presa numa cela do tamanho de um banheiro. Mal podia deitar-me naquela cama de pedra. Eu nunca saía da cela, exceto pelas vezes em que aqueles homens me levavam para aquela sala escura, onde torturavam várias pessoas. Eu também fui torturada, mas eles fizeram coisas ainda piores com outros pacientes. Aqueles frascos, os gritos ecoando pela sala...

― Aqui está seu macchiato, senhor ― disse o garçom, aproximando-se da mesa de Steve e servindo-o.
― Muito obrigado ― respondeu ele, assustado. Não percebeu que o garçom se aproximava.

― Está tudo bem, senhor? Aconteceu alguma coisa?
― Não se preocupe. Apenas me empolguei lendo um texto que escrevi.
O garçom assentiu e foi até outra mesa. O advogado abriu o caderno e obrigou-se a continuar lendo. Ele não fazia ideia de quem era Beatriz, mas estava disposto a descobrir. Ele queria descobrir quem ela era e o que aconteceu com ela. Todas as respostas estavam ali, naquele diário.

Faz dois dias desde que consegui escapar daquele hospital, ou seja lá o que fosse aquela merda onde eu estava. Bom, ao menos parecia com um hospital. Vários corredores e ainda mais portas, todas de metal. A maioria estava fechada, mas as que estavam abertas eram as que realmente me assustavam. Quando abertas, revelavam salas enormes, com várias mesas e aparelhos cirúrgico.

Estou escondida na floresta, sem comida ou água. Pode ser qualquer floresta do mundo. Eu só espero conseguir realmente fugir e relatar às autoridades o que acontece naquele lugar. O Inferno existe, e eu estive nele. Se conseguir fugir, escreverei tudo nesse diário, na esperança de que alguém o leia.

Não sei ao certo quanto tempo fiquei presa, mas pareceu uma eternidade. Eles fizeram coisas ruins comigo. Coisas que eu nunca pensei que um ser humano pudesse fazer para machucar outra pessoa. Tento fingir que nada daquilo aconteceu, mas sei que nunca esquecerei. Eles injetaram coisas em mim, em todos nós. Estavam nos usando como cobaias para um experimento qualquer.

Steve fechou o diário durante alguns instantes, usando o dedo para não perder a página. Enquanto isso, tomou outro gole de seu macchiato, tentando processar tudo aquilo que havia acabado de ler. Sim, ele sabia que era muito fantasioso, mas duvidava que alguém escreveria aquilo apenas por brincadeira.
Abriu o diário novamente. Havia uma pequena mancha escura no canto da página, e ele duvidava que fosse café.

Não sei qual era a finalidade de tudo isso, mas acho que eles conseguiram. Eles nos mudaram. Vi muita gente morrer mas, para eles, cada morte deve ter valido a pena. Pouco antes de conseguir fugir, comecei a sentir leves transformações. Eu ainda era eu mesma, mas parecia diferente. Mais poderosa. Queria que fosse apenas isso. Junto com todo esse poder, vieram os pesadelos. Ah, os pesadelos. Nunca vi nada tão assustador quanto aquelas criaturas escuras e peludas. Eu podia estar ficando louco, mas elas pareciam ser reais. Era como se não fosse um pesadelo, mas eu estivesse realmente vivenciando aquilo.

― Está tudo bem, senhor? ― uma simpática senhora perguntou ao advogado. Ele fechou o diário e virou-se para ela.

― Claro, tudo sim ― respondeu ele. ― Por que?
― O senhor está suando frio. Tem certeza de que está tudo bem?

Steve passou o dorso de sua mão na testa, e percebeu que a senhora tinha razão.
― Acho que as anotações que fiz para meu novo livro ficaram mais assustadoras do que pensei ― mentiu ele, sorrindo. ― Obrigado por se preocupar comigo.
A simpática senhora deu meia-volta e saiu dali, ao mesmo tempo que um jovem casal adentrou o local. Estavam sorridentes e trocavam carícias. Recém-casados, pensou Steve.

Saí da floresta e vim para a cidade. Parece ser um vilarejo. Um casal de idosos me encontrou e deu-me abrigo, sem nem ao menos me conhecer. Eles moravam sozinhos. O filho saíra dali ao completar a maturidade. Foi para a cidade grande, ser alguém na vida.

O local é pequeno, mas aconchegante. É uma pequena casa de madeira, próxima à uma fazenda. Precisei de alguns dias para me reidratar, mas em pouco tempo já estava apta para ajuda-los nas tarefas domésticas. Parecia uma final feliz, mas não era.

Segundo dia no vilarejo.

Comecei a sentir fortes dores de cabeça, como se uma manada estivesse passando ao meu redor vinte e quatro horas por dia. Inexplicavelmente, quando tentei pegar um copo d’água, ele simplesmente explodiu, como se apenas meu desejo de tocá-lo fosse forte o bastante para destruí-lo.


O casal teve a boa vontade de chamar o médico do vilarejo para me examinar, mas ele não conseguiu descobrir nada. Disse que era apenas uma virose, e que eu ficaria boa logo. Virose? Sem chance. Eu sabia o que estava realmente acontecendo. Eu estava mudando.

O macchiato de Steve havia acabado. Ele pediu outro, anotou em sua conta e subiu para seu quarto. Abriu as cortinas, para que a luz do sol iluminasse o local, mas as janelas permaneceram fechadas. Deitou-se debaixo das cobertas, colocou o macchiato no criado-mudo e continuou lendo.

Terceira noite no vilarejo.

Não consigo dormir. Quando durmo, tenho pesadelos. Ah, essas criaturas. Elas insistem em atormentar meus pensamentos, e eu simplesmente não aguento mais! Minha cabeça está prestes a explodir! O que está acontecendo comigo?

Comecei a ver as criaturas no mesmo dia em que quebrei o copo com minha mente. É, isso mesmo. Também pensei que estivesse louca, mas foi o que realmente aconteceu. Para ter certeza de que não estava louca, tentei levitar esse caderno, e consegui. No começo, foi até divertido, mas as criaturas começaram a aparecer em minha cabeça, como se quisessem me destruir cada vez que eu utilizasse aquele poder que eu havia recebido. Não, eu nunca pedi para receber tais poderes, muito menos para ser morta por esses monstros peludos.

É noite, e está chovendo lá fora. Não faço ideia de que horas são, mas isso já não importa mais. Tenho a leve sensação de que há alguém lá fora, nas sombras, observando-me, apenas esperando o momento certo para me atacar.

Se antes havia dúvidas, agora tenho certeza. Há realmente alguém lá fora, e é improvável que eu continue viva. Por favor, se está lendo esse diário, faça algo. Eu não quero morrer, mas isso é algo inevitável. Eles vieram atrás de mim, e não há para onde fugir.

Havia sangue em algumas das páginas seguintes. Isso dificultou a leitura, mas Steve conseguiu prosseguir. Entretanto, algo o assustou. Só havia pouco mais de uma página escrita.

Dois dias se passaram desde o ataque. Eles eram vários. Todos vestidos de preto, e armados até os dentes. Mas eu venci. De alguma forma, consegui controlar meus poderes, e acabei com cada um daqueles filhos da puta. Porém, infelizmente, aqueles idosos que foram tão bons comigo acabaram falecendo. Duas boas pessoas estão mortas por minha causa!

Saí de lá o mais rápido possível, e estou há dois dias, viajando sem rumo. Não importa onde eu vá, aqueles homens virão atrás de mim. Mas eles são o de menos. O que realmente me assombra são aquelas criaturas monstruosas. O que elas querem de mim? Será que elas têm algo a ver com os experimentos?

Os relatos de Beatriz haviam acabado. Entretanto, havia algo escrito de forma macabra na página seguinte. Ao ler o que estava escrito, Steve devolveu seu macchiato ao criado-mudo. Suas mãos estavam trêmulas, como se ele tivesse acabado de ver um cadáver. Antes fosse. O que ele leu era ainda pior.


VOCÊ É
O PRÓXIMO 

Aquilo deixou Steve mais assustado do que ele já estava. Aquele diário era algo improvável, e o que aconteceu com aquela garota era, e talvez sempre seria, um mistério. Porém, coisas piores martelavam sua cabeça. Se ela foi mesmo capturada, por que deixaram o diário para trás? Teria sido de propósito, ou alguém o havia roubado? Nenhuma das possibilidades justificava o fato de o diário estar na gaveta daquele quarto de hotel. Por que alguém deixaria aquele diário ali, sabendo que qualquer estranho poderia encontrá-lo? A não ser que eles soubessem que Steve estaria ali.
Mas tal coisa não fazia sentido algum. Por que viriam atrás de Steve? Ele era só um turista, que acabou encontrando e lendo algo que não deveria...
Ele sentou-se na cama e terminou seu macchiato. Torcia para não estar certo mas, se estivesse, era possível que ele tivesse o mesmo trágico e misterioso destino da pobre Beatriz. Ela poderia ter sido morta, ou ter voltado para aquele lugar macabro, o qual ela não mediu esforços ao compará-lo com o Inferno.
Deitou-se e fechou os olhos, enquanto um turbilhão de pensamentos tomava conta de sua mente. Aquela garota estava desaparecida, e aqueles experimentos cruéis continuavam sendo realizados. Steve não fazia ideia do que fazer, mas teve certeza de uma coisa. Ele estava em posse de um diário extremamente valioso, o que fazia dele um alvo.
Ele poderia ser o próximo.
           
*

Tarde do dia seguinte.
Duas mulheres uniformizadas bateram na porta do 303. Bateram uma segunda vez, e até mesmo uma terceira, mas ninguém respondeu. 
― Serviço de quarto! ― gritou uma delas. A outra retirou uma chave do bolso e abriu a porta.
O quarto estava bagunçado, como se tivesse tido uma briga ali. Os lençóis estavam espalhados pelo chão, como se o hóspede gostasse de acampar. As gavetas do criado-mudo estavam no chão. O hóspede deveria ser alguém muito sujo para ter ido embora e deixado o quarto em condições deploráveis. Entretanto, segundo dados da recepção, o senhor Steve Smith só deixaria o hotel dali três dias. Talvez ele tivesse saído para comer, mas isso não explicava o fato de ele deixar o local daquele jeito.
Algo estava estranho, e aquelas mulheres sabiam disso. Não havia ninguém ali. Nem Steve Smith, nem mala, nem diário.


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